A
Verdadeira Dor (A
Real Pain, como título original) é a nova produção da 20th Century Studios
que sagrou Kieran Culkin com um Globo de Ouro na edição de 2025 e na categoria
de Melhor Ator Secundário. Além de ser o protagonista, Jesse Eisenberg escreveu
e realizou este drama apresentado pela Searchlight Pictures que também foi um
dos filmes exibidos na edição de 2024 do Leffest – Lisboa Film Festival.
No
elenco também inclui Will Sharpe, Jennifer Gray, Kurt Egyiawan, Liza Sadovy e
Daniel Oreskes.
Esta
trama segue dois primos muito diferentes entre si, David (Jesse
Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin), que se juntam numa viagem à Polónia
para prestar homenagem à sua adorada avó. Imersas numa história familiar comum,
as antigas tensões entre o duo acidental acabam por vir ao de cima.
Divulgação: 20th Century Studios Portugal
Estes
primos judeus estão prestes a embarcar numa viagem que irá impactar a vida
deles para sempre. Inicialmente, eles tinham uma ligação muito unida que
acabaria mais tarde por ter um tipo de quebra, depois de seguirem caminhos
diferentes. Mas será que esta viagem os vai aproximar mais ou simplesmente os
vais distanciar ainda mais?
Estes
são pessoas com personalidades completamente distintas que por vezes chocam
entre si. Temos o David, um pai e marido com um coração gigante que
possui uma carreira e que gosta de planear tudo ao seu redor. Ele organizou a
sua vida bem ocupada para estar presente nesta viagem e foi o responsável pelo
itinerário da viagem à Polónia. Apesar da distância, ele preocupa-se
profundamente com o seu primo e tem dificuldades em partilhar as suas emoções.
Enquanto
Benji é o oposto, pois é alguém com uma maneira de ser muito peculiar que
prefere improvisar e sentir as coisas mais intensivamente, aproveitando simplesmente
o momento. Isso faz com que possam surgir alguns conflitos e tensões entre eles,
que podem tornar-se numa tarefa difícil de se lidar.
De
certeza que já ocorreu um momento em que ficamos na dúvida em como devemos
abordar um determinado assunto com alguém, principalmente se for do teor mais
sensível. E neste caso, é algo que acontece com muita frequência com estes dois
protagonistas, maioritariamente para com David que por vezes, sente-se
envergonhado e perplexo com alguns dos atos do seu primo e por isso, vai tendo
dificuldades em comunicar com ele.
Depois
de algum tempo afastados, chegou o momento de David e Benji
reencontrarem-se numa viagem à Polónia, onde vão saber mais sobre a vida da avó
que perderam recentemente e que tinha sido uma das sobreviventes do Holocausto.
Uma
das melhores formas para se conhecer melhor um local é sem dúvida, através de
tours em que um guia turístico leva-nos a paragens pertinentes e explica de um
modo prático e útil, a generalidade da história e uma visão genuína do sítio
que estamos a visitar. Este enredo permite-nos ter a experiência de fazer parte
de uma tour na Polónia, em que neste caso, era um grupo mais reduzido de judeus
que tinham cada um, uma ligação específica com este destino. Logo, seria uma
excursão mais personalizada e em certas alturas desconfortável ou até caricata,
o que torna interessante de se acompanhar.
O
maior destaque vai para o desempenho impressionante de Kieran Culkin que dá
vida a Benji que acaba por mostrar excecionalmente a complexidade deste
jovem caloroso com um espírito livre e sem filtros que tem um humor honesto e
engraçado, sendo que brilha sempre que entra num espaço. Mas que de repente,
está mais vulnerável e tem comportamentos mais explosivos, desequilibrados e
inadequados. Tudo isso está relacionado com os traumas que possui e o
sofrimento, a tristeza e a dor constante que nem sempre consegue esconder. Esta é uma pessoa que acaba por não ser
compreendida pelo seu primo e pelas restantes pessoas ao seu redor e assim, ele
faz o melhor que pode para encobrir o que realmente sente. E é daqueles
indivíduos em que conseguimos simpatizar, criar empatia, conectar e em certos
momentos, identificar-nos com os seus altos e baixos e até entender a sua dor.
Divulgação: 20th Century Studios Portugal
A
Verdadeira Dor é uma
obra simples e emocionante que é envolvida à sua maneira numa essência bonita e
profunda, enquanto transmite uma mensagem crua, dura e real sobre como muitas
vezes lidamos com as pessoas e que inconscientemente, estamos a magoá-las ou até
como o medo e a vergonha que sentimos em partilhar as nossas emoções, chegando
a um ponto que optamos mais vezes pelo politicamente correto e acabamos por sofrer
em silêncio. Tudo é apresentado com o máximo respeito e cuidado, criando assim,
uma conexão especial e poderosa com o público que está a assistir.
Já
a nível técnico, o trabalho foi excelente e dá para se perceber que foi tudo
pensado ao pormenor e executado com a sensibilidade necessária, onde podemos
observar boas escolhas a nível dos ângulos de filmagem e no modo como
apresentam a Polónia. Uma coisa é garantida! Ficamos com uma vontade imediata
de visitar este país, as suas bonitas vistas e experienciar na pele, todo o seu
legado e respetiva cultura.
Esta
é daquelas histórias mais tensas que toca em muitos temas difíceis que suscitam
curiosidade, como é o caso do evento do Holocausto, as tradições do judaísmo, o
sofrimento que os judeus suportaram e ainda, a fragilidade dos laços
familiares, a relação complexa entre seres humanos e a dor invisível que
podemos sentir e que nos molda enquanto pessoas. Estas personagens têm a chance
de aprender mais sobre a sua religião, as suas raízes, as tragédias sentidas
pelos seus antepassados e de uma certa forma, vivenciar a tragédia que a
humanidade teve de suportar nas mãos de um ditador.
Divulgação: 20th Century Studios Portugal
Através
das passagens por Varsóvia, a cidade história de Lublin e o campo de
concentração de Majdanek, acabamos por nesta visita guiada presenciar ao mesmo
tempo que as personagens, a realidade dura daquilo que aconteceu durante o
Holocausto, levando a uma mistura de emoções. Por isso, podem existir alturas
em que a narrativa em si torna-se mais complicada de se processar. No entanto,
torna-se numa experiência intensa com a sua dose de desconforto que é composta
por lições muito valiosas.
Apesar
de uma boa parte da trama se situar nos locais referidos anteriormente, o maior
foco é no relacionamento destes primos distantes e com maneiras de ser
distintas que voltam a encontrar-se após a morte da avó polonesa. Primos esses em
que um sente tudo e o outro não sente nada.
A
Verdadeira Dor
apresenta um argumento sólido, perspicaz e bem elaborado sobre os conflitos
internos, as lutas e complexidades da experiência humana, que muitas vezes são
envolvidas em perdas, traumas geracionais, frustrações, dores e também o
próprio impacto que o sofrimento pode ter a longo prazo. E ainda, o poder que a
comunicação, a resiliência, a determinação e a sobrevivência podem ter no ser
humano e como as cicatrizes do passado continuam a moldar o presente.
Este é um filme autêntico e pertinente repleto de boa qualidade que impacta de diversas maneiras e que mostra a luta diária de pessoas com problemas de saúde mental que procuram o seu propósito e a paz. Podem existir alturas em que até pode ser cansativo para alguns. Contudo, eu aconselho a irem assistir e o melhor é mesmo virem totalmente de mente aberta. E poderão vir a sair de lá com inúmeras reflexões e quem sabe, uma montanha-russa de emoções. Além disso, a distinção que Kieran Culkin tem tido com este seu desempenho é bem merecida, pois a construção e interpretação da sua personagem que foi rodeada de linguagem corporal e expressões faciais particulares que trouxe assim, um resultado fenomenal!
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