O
filme designado por Devil All The Time (O Diabo de Cada Dia, em português) foi
considerado como uma das estreias mais esperadas da Netflix, principalmente
devido ao seu elenco de luxo, tendo estreado recentemente. Este thriller de
cerca de 138 minutos é baseado no romance com o mesmo título de 2011, do escritor
Donald Ray Pollock, tendo sido criado e realizado por Antonio Campos e com a
produção de Jake Gyllenhaal.
O elenco é constituído por Tom Holland (Arvin Russell), Bill Skarsgård (Willard Russell), Sebastian Stan (Lee Bodecker), Mia Wasikowska (Helen Hatton), Robert Pattinson (Preston Teagardin), Jason Clarke (Carl Henderson), Riley Keough (Sandy Henderson), Drew Starkey, Harry Melling (Roy Laferty), Haley Bennett (Charlotte Russell), Eliza Scanlen (Lenora Laferty), Douglas Hodge (Tater Brown), Gregory Kelly (Bobo McDaniels), Pokey LaFarge (Theodore), entre outros.
A
história desenrola-se na zona rural das cidades de Knockemstiff, no sul de Ohio
e em Coak Creek, na Virgínia Ocidental, após o final da 2ª Guerra Mundial e até
1960, onde são apresentadas personagens que são estranhas à sua maneira, mas
que têm um objetivo específico a alcançar, enquanto percorrem a jornada
respetiva. Desde um jovem que passa por uma infância conturbada, um casal de
serial killers com os seus próprios planos e um pregador que chega à cidade
para arrasar, utilizando os seus discursos arrebatadores. Será que os caminhos
de cada um vão ser cruzados de alguma forma?
Este
drama aborda temas, tais como, evangelismo, violência, corrupção, vingança e o
poder que a religião pode ter nos outros, tendo a capacidade de influenciar as
pessoas mais sensíveis a cometerem atos terríveis e desenrolando-se no período
que vai desde 1939 até 1945 e também até 1960, onde é mencionada a Guerra do
Vietname, em que algumas das cenas são mostradas através de flashbacks.
Willard
Russell é um veterano atormentado que regressa da guerra, tentando criar uma
vida nova, longe dos seus demónios e traumas até que um dia, ele apaixona-se
perdidamente por uma rapariga muito simples e simpática que chama-se Charlotte
e trabalha num café.
Ele
considerava-se como uma pessoa religiosa, mas perde a sua fé após tudo aquilo
que presenciou na guerra, sendo que vai vivendo a sua vida, de um modo muito
perturbado, devido aos acontecimentos que foram sucedendo, ao mesmo tempo que
resolve aos poucos retomar a fé que tinha dantes, mas não será uma tarefa
fácil, principalmente quando a vida lhe prega uma partida e a sua mulher é
diagnosticada com um cancro agressivo e terminal.
Willard
tenta a todo o custo impedir que Charlotte morra, que inclui sacrifícios
sanguinários que ele coloca no seu altar improvisado e também obrigando o seu
filho, Arvin a rezar com intensidade através de chantagem emocional, mesmo que
este possa não ter qualquer tipo de vontade de o fazer. Infelizmente as suas
inúmeras orações não têm o efeito desejado, fazendo com que ele tome atitudes
plenamente destruidoras, pois ele tem estado a sacrificar-se de formas indescritíveis para
salvar a sua mulher que não chegaram a dar em nada e assim, acaba por não
aguentar com a sua dor de a ter perdido.
O
ator que interpreta Willard Russell fez um trabalho brilhante representando um
veterano que tenta lidar com os seus traumas e lutar com os seus fantasmas,
sendo que são efeitos secundários de ter participado na guerra, demostrando que
esta personagem é capaz de fazer tudo o que for preciso para salvar quem mais
ama.
Arvin
Eugene Russell é o filho órfão de Willard e Charlotte, que passou por uma
infância complicada e conturbada, desde bullying, a doença da sua mãe e os
acontecimentos devastadores que aconteceram à sua família. Quando ele cresce,
tenta proteger as pessoas que mais ama, ao mesmo tempo que tenta ser um homem
bom, mas tem um lado mais violento, que nem sempre consegue controlar.
Inicialmente
Arvin é um jovem que está no seu canto, não quer ter problemas e é perturbado
pelos outros da sua idade em que chega a um ponto que vai acumulando aos poucos, a sua raiva interior ao longo dos anos e quando não consegue aguentar mais,
ultrapassa todos os limites, recorrendo à violência, mesmo que tente a todos os
custos ser uma boa pessoa e proteger aqueles que mais gosta ou por uma questão
de instinto de sobrevivência.
Este
é um jovem que tem uma vida marcada por perdas de pessoas que ama, traumas e
tragédias que passou durante a sua infância e a influência que o cancro da sua
mãe teve nas ações cometidas pelo seu pai. Arvin luta contra as forças do mal
que ameaçam ele e a sua família, fazendo-o questionar as suas crenças
religiosas, ao mesmo tempo que cruza-se com pessoas bem estranhas que podem ser, desde um casal de assassinos em série a um xerife corrupto.
Num
dos seus aniversários, Arvin recebe a arma do seu pai que foi um soldado na 2ª
Guerra Mundial e chega a um ponto que vê a sua vida a mudar de uma forma
caótica, onde testemunha situações inexplicáveis. Ele tem boas intenções, mas
apesar de ser um homem com um bom coração acaba por ter os seus momentos mais violentos.
Arvin
tem uma carga emocional intensa, em que eu fiquei surpreendida com o tempo que demorou a
tomar atitudes mais impulsivas, mesmo que tivesse sido criado por uma avó
fanática pela sua religião.
O
espetador até consegue criar uma certa ligação com esta personagem mesmo que
não tenha tido tempo suficiente para o fazer ou por acontecer situações mais
violentas que possam distrair o público de uma possível conexão.
Tom
Holland fez um desempenho excelente, surpreendendo na forma como interpreta a
sua personagem e onde podemos ver um lado bem mais dramático, relativamente a
trabalhos anteriores deste ator, fazendo com que a pessoa fique na expetativa e
com curiosidade em ver mais versões deste tipo no trabalho futuro do mesmo, ao longo
da sua ainda curta carreira.
Na
vida de Arvin também temos Lenora Laferty que é sua meia irmã e
foi criada como uma católica autêntica, onde vive o seu próprio inferno de uma
forma que não imaginava que algum dia viesse a suceder, mas será que Arvin vai
conseguir protegê-la?
Carl
e Sandy Henderson são um casal que têm um segredo muito grave por desvendar,
mas será que vão sofrer com as consequências dos seus atos? Estes são uma dupla
de assassinos em série, pois eles percorrem as estradas norte-americanas,
oferecendo boleia a estranhos, mas têm um objetivo muito específico que inclui a
vítima ser modelo fotográfico por umas horas e depois acabando por ter um fim
terrível e macabro.
Este
casal espalha simpatia por quem se cruzam, principalmente perante homens que
podem ser adequados para os seus planos, que inclui posar em posições comprometedoras,
mas infelizmente esta dupla de serial killers gostam de deixar os seus crimes
registados em fotografias.
Como
pessoas fanáticas pela sua religião, a comunidade está cheia de expetativas e
ao mesmo tempo ansiosa quando chega à sua terra, um pregador chamado Preston
Teagardin que é motivo de celebração, em que cada família traz comida para este homem saborear, mas nem todos são recebidos da melhor forma por este indivíduo.
Preston
Teagardin é uma personagem cruel e manipuladora que aproveita-se das pessoas
mais vulneráveis para benefício próprio, utilizando os seus discursos
emblemáticos, mas que não pode fazer sentido para todos e que infelizmente, nem
sempre têm os melhores efeitos nas pessoas.
O
ator interpreta de um modo excelente esta personagem, em que ele acaba por
protagonizar muitas das cenas mais odiadas do filme, pois ele é muito credível
na forma como vai desempenhando as mesmas, principalmente quando utiliza o
poder de Deus para o seu próprio benefício e para conseguir alcançar aquilo que
quer.
Lee
Bodecker é um xerife corrupto, sendo cobarde em determinadas situações e em
outras, não tem equilíbrio nas suas atitudes e faz os possíveis para manter e
preservar as aparências na cidade, protegendo assim, a sua reputação.
Por
fim, Roy é um pregador que inicialmente tinha uma fobia por aranhas até que
encontrou a sua fé em Deus, perdendo esse medo por completo. Tem como aliado,
Theodore, que tem sequelas físicas, mas não é por isso que deixa de tocar a sua
guitarra. Será que Roy vai cometer atos completamente imperdoáveis em nome do
seu Deus?
Esta
é uma história bem violenta que decorre após a 2ª Guerra Mundial e até 1960,
principalmente na cidade de Knockemstiff, numa zona rural de Ohio e também em
Coak Creek, na Virgínia Ocidental, em que acompanha-se a evolução de
personagens obscuras durante cerca de 20 anos e onde um dos temas predominantes
é a religião, como esta pode afetar cada personagem e o que isso significa
para cada uma delas e também a ligação que estas duas localizações podem ter
uma com a outra.
Estas
são comunidades muito religiosas que definem cada decisão da sua vida, de
acordo com a vontade de Deus, sendo que as pessoas tentam aliviar as suas
mágoas ou simplesmente procurar respostas a algo que para elas é um ser superior e por
isso, fazem o que for necessário para que as suas orações sejam atendidas que
por vezes podem incluir atitudes extremas que não têm qualquer tipo de
justificação.
Este
filme é narrado pelo próprio autor do livro com o mesmo nome em que é baseado, nos quais vai contando a história de cada
personagem e é essencial que o espetador vá ficando atento a cada pormenor
deste suspense e assim, evitando perder-se no seu decorrer. A forma como o
autor vai narrando a história até pode influenciar de certa forma, quem o está a
ouvir e a experiência que adquire do filme, dependendo da intensidade e
entoação com que utiliza a sua voz enquanto vai contando a mesma.
Esta
história vai sendo uma aprendizagem para quem assiste, mas também para cada uma
das suas personagens, em que vemos lições de vida e possíveis consequências que
podem dar origem a um acumular de raiva, levando a ataques sucessivos de
violência ou mesmo situações que vão decorrendo e como as personagens vão
reagindo a elas, podendo ser vital na sua evolução como pessoas.
Este
é um thriller psicológico em que as personagens vão sendo constantemente
desafiadas, principalmente a nível emocional e nem todas conseguem vencer, pois
são vários os traumas com que têm de lidar e nem sempre têm a força suficiente
para os enfrentar. Neste caso, existem personagens bem perturbadoras que não
conseguem lidar com as adversidades da vida.
Também
temos a oportunidade de ver cada personagem a procurar por algo específico que
acaba por tornar-se num desafio difícil, mas não quer dizer que seja impossível
e para além disso, também vemos representações sobre como a fé é vista por
estas pessoas, pois a religião afeta a vida das pessoas de uma forma bem
específica, principalmente se é uma comunidade que vive num sítio mais rural.
Pode
acontecer o espetador não chegar a torcer totalmente por uma personagem, mas
não deixa de ser curioso, ver como a história de cada um vai terminar, podendo
ser por vezes, surpreendente. Mesmo que sejam abordadas as histórias de uma
quantidade vasta de personagens, a pessoa não se perde e é interessante a
ligação que vão fazendo umas com as outras, acabando por fazer todo o sentido.
Assim, as histórias das diferentes personagens são cruzadas de forma
inteligente.
Este
filme tenta mostrar o significado que é ter uma vida religiosa e o que pode estar
no interior de cada um de nós, onde nos questionamos se faz sentido ou não, que
determinados atos devem ser cometidos pelas próprias mãos da pessoa. Sem
dúvida, que dá para refletir sobre vários temas fundamentais, tais como a
manipulação, rejeição, vingança ou influência e como devemos reagir aos mesmos.
Também
tentam mostrar que o ser humano tem um monstro no seu interior. Isso até me faz
acreditar que chegamos à conclusão que todos nós acabamos por ter dois tipos de lobos, dentro de nós, um
com luz e outro com escuridão e existe uma luta intensa entre os dois que têm o
objetivo de estar no controlo e assim, temos de ser nós a escolher quem
realmente queremos ser. Assim, este filme deixa refletir sobre o que acabou de
acontecer e a forma como lidamos com a nossa própria vida e onde se baseia a
nossa fé, sejamos pessoas religiosas ou não.
Infelizmente
são vários os atos que são cometidos de uma forma conveniente para uma
determinada personagem, onde esta utiliza como justificação, a sua fé e a
mensagem de Deus, em vez de admitir que é por benefício próprio ou para
propósitos específicos. Estas pessoas aproveitam-se da crença dos outros para
cometerem ações terríveis, sem pensarem nas consequências e nas vítimas
respetivas. Assim, a moral das personagens acaba por ser constantemente questionada,
principalmente devido a atos de violência pura e excessiva, existindo conflitos
morais que podem influenciar a própria construção da personalidade da pessoa e
possíveis atitudes que podem vir a ter.
Quando
pessoas religiosas que deveriam estar a fazer o bem acabam por estar a fazer o
contrário, em benefício próprio e justificando as suas ações como sendo feitas
em nome de Deus, sendo que estas acabam por ser classificadas como os diabos que vivem neste planeta.
Nesta história são apresentadas personagens bondosas e humildes que revelam-se
completamente o contrário, em que tudo é feito a partir de aparências, onde
estas utilizam a sua influência para os seus próprios planos, que por vezes até
podem vir a ser macabros. Assim, este filme mostra como pessoas mais
vulneráveis podem ser influenciadas, devido à sua religião ou devido à
manipulação de líderes que deveriam estar o fazer bem em vez de utilizarem a fé
das pessoas para objetivos peculiares.
Num
geral, estas personagens são bem complexas, apesar de cada uma ter a sua
peculiaridade, em que podemos ver a jornada e aprendizagem de cada um deles,
que nem sempre pode acabar bem, pois são alguns que vão ter os seus fins
trágicos, uns mais surpreendentes do que outros. Existem cenas que podem causar
um impacto imediato a quem está a assistir, devido à sua intensidade, por isso
é um filme que não é indicado aos espetadores mais sensíveis e pode não agradar
a todos por ser uma história mais pesada.
Infelizmente,
eu acho que algumas das personagens não faziam muita falta ao filme, pois
poderiam atrapalhar e tirarem o brilho a outras mais relevantes e fundamentais
para a continuação da história. Poderia fazer todo o sentido, caso esta
produção tivesse sido uma minissérie, mas num filme nem sempre existe tempo
suficiente para desenvolver suficientemente as personagens, quanto mais
introduzir outras que podiam bem ter sido dispensadas.
Este
filme consegue reunir um elenco de luxo, em que temos a oportunidade de ver a
versatilidade de muitos destes atores, em que estamos habituados a ver em
registos bem diferentes do que acontece nesta produção e para além disso,
também podemos assistir a vários momentos dramáticos em ambientes pesados, onde
vemos o trabalho incrível dos atores deste projeto.
A
história é contada a um ritmo bem lento, onde vamos estando em períodos de
tempo diferentes, dependendo da jornada em que está situada determinada
personagem. Também é constituída por um argumento bem desenvolvido, uma boa
cinematografia e uma fotografia mais sombria que pode representar uma falta de
esperança e fé que as personagens vão tendo, enquanto percorrem o seu caminho e
considero que seja a mais indicada para este suspense. Para além disso, a
edição deste filme está muito bem implementada e a banda sonora também ajuda a
criar o clima e a tensão necessária para um thriller deste tipo, em que faz
todo o sentido quando chegamos ao seu final, pois todas as ligações entre as
personagens foram bem realizadas.
Este
filme de drama e terror tem uma história misteriosa, cheia de
suspense, com muita tensão e tragédias pelo caminho e com personagens bem
sinistras que mostram um pouco a hipocrisia e a maldade da humanidade com
algumas controvérsias pelo meio, em que são introduzidas pessoas fanáticas por
uma determinada religião que nem sempre têm bom senso e usam a violência de um modo
excessivo, em nome de Deus e tornando-se por vezes angustiante.
Como
não tive oportunidade de ler o livro pelo qual este filme foi baseado não posso
fazer comparações sobre esta adaptação, apesar de achar que nesta história pode
haver uma certa crítica a esta religião específica e os seus simbolismos, onde
ajuda a refletir sobre o que vai acontecendo com as cenas mais tensas e
dolorosas que o público vai acompanhando e para além disso, também mostra que
por mais luz que uma determinada pessoa possa vir a ter, não deixa de ter o seu
lado mais obscuro.
Este
é daqueles filmes pesados que tenho a certeza que vão dividir opiniões pois
houve um tempo excessivo do mesmo que poderiam ter aproveitado para aprofundar
muito mais determinadas personagens que eu considerei vitais para o desenrolar
da história, mas não deixa de ser interessante de ver para que o espetador
possa tirar as suas próprias conclusões e para isso acontecer é essencial que
esteja com muita atenção para não perder a noção de espaço e tempo.
Devil All The Time é uma crítica ao ser humano e aos seus atos de maldade que comete perante outras pessoas mais vulneráveis que simplesmente são manipuladas facilmente, mas que deixa refletir em possíveis semelhanças com a realidade, por isso eu acho que esta história até traz uma discussão interessante e aconselho a verem.
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