segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Crítica ao filme "Devil All The Time" da Netflix, protagonizado por Tom Holland - um thriller misterioso que aborda a religião e a violência

 

O filme designado por Devil All The Time (O Diabo de Cada Dia, em português) foi considerado como uma das estreias mais esperadas da Netflix, principalmente devido ao seu elenco de luxo, tendo estreado recentemente. Este thriller de cerca de 138 minutos é baseado no romance com o mesmo título de 2011, do escritor Donald Ray Pollock, tendo sido criado e realizado por Antonio Campos e com a produção de Jake Gyllenhaal.

 

O elenco é constituído por Tom Holland (Arvin Russell), Bill Skarsgård (Willard Russell), Sebastian Stan (Lee Bodecker), Mia Wasikowska (Helen Hatton), Robert Pattinson (Preston Teagardin), Jason Clarke (Carl Henderson), Riley Keough (Sandy Henderson), Drew Starkey, Harry Melling (Roy Laferty), Haley Bennett (Charlotte Russell), Eliza Scanlen (Lenora Laferty), Douglas Hodge (Tater Brown), Gregory Kelly (Bobo McDaniels), Pokey LaFarge (Theodore), entre outros.


 

A história desenrola-se na zona rural das cidades de Knockemstiff, no sul de Ohio e em Coak Creek, na Virgínia Ocidental, após o final da 2ª Guerra Mundial e até 1960, onde são apresentadas personagens que são estranhas à sua maneira, mas que têm um objetivo específico a alcançar, enquanto percorrem a jornada respetiva. Desde um jovem que passa por uma infância conturbada, um casal de serial killers com os seus próprios planos e um pregador que chega à cidade para arrasar, utilizando os seus discursos arrebatadores. Será que os caminhos de cada um vão ser cruzados de alguma forma?

 

Este drama aborda temas, tais como, evangelismo, violência, corrupção, vingança e o poder que a religião pode ter nos outros, tendo a capacidade de influenciar as pessoas mais sensíveis a cometerem atos terríveis e desenrolando-se no período que vai desde 1939 até 1945 e também até 1960, onde é mencionada a Guerra do Vietname, em que algumas das cenas são mostradas através de flashbacks.

 



Willard Russell é um veterano atormentado que regressa da guerra, tentando criar uma vida nova, longe dos seus demónios e traumas até que um dia, ele apaixona-se perdidamente por uma rapariga muito simples e simpática que chama-se Charlotte e trabalha num café.

 

Ele considerava-se como uma pessoa religiosa, mas perde a sua fé após tudo aquilo que presenciou na guerra, sendo que vai vivendo a sua vida, de um modo muito perturbado, devido aos acontecimentos que foram sucedendo, ao mesmo tempo que resolve aos poucos retomar a fé que tinha dantes, mas não será uma tarefa fácil, principalmente quando a vida lhe prega uma partida e a sua mulher é diagnosticada com um cancro agressivo e terminal.

 


Willard tenta a todo o custo impedir que Charlotte morra, que inclui sacrifícios sanguinários que ele coloca no seu altar improvisado e também obrigando o seu filho, Arvin a rezar com intensidade através de chantagem emocional, mesmo que este possa não ter qualquer tipo de vontade de o fazer. Infelizmente as suas inúmeras orações não têm o efeito desejado, fazendo com que ele tome atitudes plenamente destruidoras, pois ele tem estado a sacrificar-se de formas indescritíveis para salvar a sua mulher que não chegaram a dar em nada e assim, acaba por não aguentar com a sua dor de a ter perdido.

 

O ator que interpreta Willard Russell fez um trabalho brilhante representando um veterano que tenta lidar com os seus traumas e lutar com os seus fantasmas, sendo que são efeitos secundários de ter participado na guerra, demostrando que esta personagem é capaz de fazer tudo o que for preciso para salvar quem mais ama.

 


Arvin Eugene Russell é o filho órfão de Willard e Charlotte, que passou por uma infância complicada e conturbada, desde bullying, a doença da sua mãe e os acontecimentos devastadores que aconteceram à sua família. Quando ele cresce, tenta proteger as pessoas que mais ama, ao mesmo tempo que tenta ser um homem bom, mas tem um lado mais violento, que nem sempre consegue controlar.

 

Inicialmente Arvin é um jovem que está no seu canto, não quer ter problemas e é perturbado pelos outros da sua idade em que chega a um ponto que vai acumulando aos poucos, a sua raiva interior ao longo dos anos e quando não consegue aguentar mais, ultrapassa todos os limites, recorrendo à violência, mesmo que tente a todos os custos ser uma boa pessoa e proteger aqueles que mais gosta ou por uma questão de instinto de sobrevivência.


 

Este é um jovem que tem uma vida marcada por perdas de pessoas que ama, traumas e tragédias que passou durante a sua infância e a influência que o cancro da sua mãe teve nas ações cometidas pelo seu pai. Arvin luta contra as forças do mal que ameaçam ele e a sua família, fazendo-o questionar as suas crenças religiosas, ao mesmo tempo que cruza-se com pessoas bem estranhas que podem ser, desde um casal de assassinos em série a um xerife corrupto.

 

Num dos seus aniversários, Arvin recebe a arma do seu pai que foi um soldado na 2ª Guerra Mundial e chega a um ponto que vê a sua vida a mudar de uma forma caótica, onde testemunha situações inexplicáveis. Ele tem boas intenções, mas apesar de ser um homem com um bom coração acaba por ter os seus momentos mais violentos.


 

Arvin tem uma carga emocional intensa, em que eu fiquei surpreendida com o tempo que demorou a tomar atitudes mais impulsivas, mesmo que tivesse sido criado por uma avó fanática pela sua religião.

 

O espetador até consegue criar uma certa ligação com esta personagem mesmo que não tenha tido tempo suficiente para o fazer ou por acontecer situações mais violentas que possam distrair o público de uma possível conexão.

 

Tom Holland fez um desempenho excelente, surpreendendo na forma como interpreta a sua personagem e onde podemos ver um lado bem mais dramático, relativamente a trabalhos anteriores deste ator, fazendo com que a pessoa fique na expetativa e com curiosidade em ver mais versões deste tipo no trabalho futuro do mesmo, ao longo da sua ainda curta carreira.


 

Na vida de Arvin também temos Lenora Laferty que é sua meia irmã e foi criada como uma católica autêntica, onde vive o seu próprio inferno de uma forma que não imaginava que algum dia viesse a suceder, mas será que Arvin vai conseguir protegê-la?

 



Carl e Sandy Henderson são um casal que têm um segredo muito grave por desvendar, mas será que vão sofrer com as consequências dos seus atos? Estes são uma dupla de assassinos em série, pois eles percorrem as estradas norte-americanas, oferecendo boleia a estranhos, mas têm um objetivo muito específico que inclui a vítima ser modelo fotográfico por umas horas e depois acabando por ter um fim terrível e macabro.

 

Este casal espalha simpatia por quem se cruzam, principalmente perante homens que podem ser adequados para os seus planos, que inclui posar em posições comprometedoras, mas infelizmente esta dupla de serial killers gostam de deixar os seus crimes registados em fotografias.

 


Como pessoas fanáticas pela sua religião, a comunidade está cheia de expetativas e ao mesmo tempo ansiosa quando chega à sua terra, um pregador chamado Preston Teagardin que é motivo de celebração, em que cada família traz comida para este homem saborear, mas nem todos são recebidos da melhor forma por este indivíduo.

 

Preston Teagardin é uma personagem cruel e manipuladora que aproveita-se das pessoas mais vulneráveis para benefício próprio, utilizando os seus discursos emblemáticos, mas que não pode fazer sentido para todos e que infelizmente, nem sempre têm os melhores efeitos nas pessoas.

 

O ator interpreta de um modo excelente esta personagem, em que ele acaba por protagonizar muitas das cenas mais odiadas do filme, pois ele é muito credível na forma como vai desempenhando as mesmas, principalmente quando utiliza o poder de Deus para o seu próprio benefício e para conseguir alcançar aquilo que quer.


 

Lee Bodecker é um xerife corrupto, sendo cobarde em determinadas situações e em outras, não tem equilíbrio nas suas atitudes e faz os possíveis para manter e preservar as aparências na cidade, protegendo assim, a sua reputação.


 

Por fim, Roy é um pregador que inicialmente tinha uma fobia por aranhas até que encontrou a sua fé em Deus, perdendo esse medo por completo. Tem como aliado, Theodore, que tem sequelas físicas, mas não é por isso que deixa de tocar a sua guitarra. Será que Roy vai cometer atos completamente imperdoáveis em nome do seu Deus?

 

Esta é uma história bem violenta que decorre após a 2ª Guerra Mundial e até 1960, principalmente na cidade de Knockemstiff, numa zona rural de Ohio e também em Coak Creek, na Virgínia Ocidental, em que acompanha-se a evolução de personagens obscuras durante cerca de 20 anos e onde um dos temas predominantes é a religião, como esta pode afetar cada personagem e o que isso significa para cada uma delas e também a ligação que estas duas localizações podem ter uma com a outra.


 

Estas são comunidades muito religiosas que definem cada decisão da sua vida, de acordo com a vontade de Deus, sendo que as pessoas tentam aliviar as suas mágoas ou simplesmente procurar respostas a algo que para elas é um ser superior e por isso, fazem o que for necessário para que as suas orações sejam atendidas que por vezes podem incluir atitudes extremas que não têm qualquer tipo de justificação.

 

Este filme é narrado pelo próprio autor do livro com o mesmo nome em que é baseado, nos quais vai contando a história de cada personagem e é essencial que o espetador vá ficando atento a cada pormenor deste suspense e assim, evitando perder-se no seu decorrer. A forma como o autor vai narrando a história até pode influenciar de certa forma, quem o está a ouvir e a experiência que adquire do filme, dependendo da intensidade e entoação com que utiliza a sua voz enquanto vai contando a mesma.

 

Esta história vai sendo uma aprendizagem para quem assiste, mas também para cada uma das suas personagens, em que vemos lições de vida e possíveis consequências que podem dar origem a um acumular de raiva, levando a ataques sucessivos de violência ou mesmo situações que vão decorrendo e como as personagens vão reagindo a elas, podendo ser vital na sua evolução como pessoas.


 

Este é um thriller psicológico em que as personagens vão sendo constantemente desafiadas, principalmente a nível emocional e nem todas conseguem vencer, pois são vários os traumas com que têm de lidar e nem sempre têm a força suficiente para os enfrentar. Neste caso, existem personagens bem perturbadoras que não conseguem lidar com as adversidades da vida.

 

Também temos a oportunidade de ver cada personagem a procurar por algo específico que acaba por tornar-se num desafio difícil, mas não quer dizer que seja impossível e para além disso, também vemos representações sobre como a fé é vista por estas pessoas, pois a religião afeta a vida das pessoas de uma forma bem específica, principalmente se é uma comunidade que vive num sítio mais rural.


 

Pode acontecer o espetador não chegar a torcer totalmente por uma personagem, mas não deixa de ser curioso, ver como a história de cada um vai terminar, podendo ser por vezes, surpreendente. Mesmo que sejam abordadas as histórias de uma quantidade vasta de personagens, a pessoa não se perde e é interessante a ligação que vão fazendo umas com as outras, acabando por fazer todo o sentido. Assim, as histórias das diferentes personagens são cruzadas de forma inteligente.

 

Este filme tenta mostrar o significado que é ter uma vida religiosa e o que pode estar no interior de cada um de nós, onde nos questionamos se faz sentido ou não, que determinados atos devem ser cometidos pelas próprias mãos da pessoa. Sem dúvida, que dá para refletir sobre vários temas fundamentais, tais como a manipulação, rejeição, vingança ou influência e como devemos reagir aos mesmos.


 

Também tentam mostrar que o ser humano tem um monstro no seu interior. Isso até me faz acreditar que chegamos à conclusão que todos nós acabamos por ter dois tipos de lobos, dentro de nós, um com luz e outro com escuridão e existe uma luta intensa entre os dois que têm o objetivo de estar no controlo e assim, temos de ser nós a escolher quem realmente queremos ser. Assim, este filme deixa refletir sobre o que acabou de acontecer e a forma como lidamos com a nossa própria vida e onde se baseia a nossa fé, sejamos pessoas religiosas ou não.

 

Infelizmente são vários os atos que são cometidos de uma forma conveniente para uma determinada personagem, onde esta utiliza como justificação, a sua fé e a mensagem de Deus, em vez de admitir que é por benefício próprio ou para propósitos específicos. Estas pessoas aproveitam-se da crença dos outros para cometerem ações terríveis, sem pensarem nas consequências e nas vítimas respetivas. Assim, a moral das personagens acaba por ser constantemente questionada, principalmente devido a atos de violência pura e excessiva, existindo conflitos morais que podem influenciar a própria construção da personalidade da pessoa e possíveis atitudes que podem vir a ter.

 

Quando pessoas religiosas que deveriam estar a fazer o bem acabam por estar a fazer o contrário, em benefício próprio e justificando as suas ações como sendo feitas em nome de Deus, sendo que estas acabam por ser classificadas como os diabos que vivem neste planeta. Nesta história são apresentadas personagens bondosas e humildes que revelam-se completamente o contrário, em que tudo é feito a partir de aparências, onde estas utilizam a sua influência para os seus próprios planos, que por vezes até podem vir a ser macabros. Assim, este filme mostra como pessoas mais vulneráveis podem ser influenciadas, devido à sua religião ou devido à manipulação de líderes que deveriam estar o fazer bem em vez de utilizarem a fé das pessoas para objetivos peculiares.


 

Num geral, estas personagens são bem complexas, apesar de cada uma ter a sua peculiaridade, em que podemos ver a jornada e aprendizagem de cada um deles, que nem sempre pode acabar bem, pois são alguns que vão ter os seus fins trágicos, uns mais surpreendentes do que outros. Existem cenas que podem causar um impacto imediato a quem está a assistir, devido à sua intensidade, por isso é um filme que não é indicado aos espetadores mais sensíveis e pode não agradar a todos por ser uma história mais pesada.

 

Infelizmente, eu acho que algumas das personagens não faziam muita falta ao filme, pois poderiam atrapalhar e tirarem o brilho a outras mais relevantes e fundamentais para a continuação da história. Poderia fazer todo o sentido, caso esta produção tivesse sido uma minissérie, mas num filme nem sempre existe tempo suficiente para desenvolver suficientemente as personagens, quanto mais introduzir outras que podiam bem ter sido dispensadas.

 

Este filme consegue reunir um elenco de luxo, em que temos a oportunidade de ver a versatilidade de muitos destes atores, em que estamos habituados a ver em registos bem diferentes do que acontece nesta produção e para além disso, também podemos assistir a vários momentos dramáticos em ambientes pesados, onde vemos o trabalho incrível dos atores deste projeto.


 

A história é contada a um ritmo bem lento, onde vamos estando em períodos de tempo diferentes, dependendo da jornada em que está situada determinada personagem. Também é constituída por um argumento bem desenvolvido, uma boa cinematografia e uma fotografia mais sombria que pode representar uma falta de esperança e fé que as personagens vão tendo, enquanto percorrem o seu caminho e considero que seja a mais indicada para este suspense. Para além disso, a edição deste filme está muito bem implementada e a banda sonora também ajuda a criar o clima e a tensão necessária para um thriller deste tipo, em que faz todo o sentido quando chegamos ao seu final, pois todas as ligações entre as personagens foram bem realizadas.

 


Este filme de drama e terror tem uma história misteriosa, cheia de suspense, com muita tensão e tragédias pelo caminho e com personagens bem sinistras que mostram um pouco a hipocrisia e a maldade da humanidade com algumas controvérsias pelo meio, em que são introduzidas pessoas fanáticas por uma determinada religião que nem sempre têm bom senso e usam a violência de um modo excessivo, em nome de Deus e tornando-se por vezes angustiante.

 

Como não tive oportunidade de ler o livro pelo qual este filme foi baseado não posso fazer comparações sobre esta adaptação, apesar de achar que nesta história pode haver uma certa crítica a esta religião específica e os seus simbolismos, onde ajuda a refletir sobre o que vai acontecendo com as cenas mais tensas e dolorosas que o público vai acompanhando e para além disso, também mostra que por mais luz que uma determinada pessoa possa vir a ter, não deixa de ter o seu lado mais obscuro.


 

Este é daqueles filmes pesados que tenho a certeza que vão dividir opiniões pois houve um tempo excessivo do mesmo que poderiam ter aproveitado para aprofundar muito mais determinadas personagens que eu considerei vitais para o desenrolar da história, mas não deixa de ser interessante de ver para que o espetador possa tirar as suas próprias conclusões e para isso acontecer é essencial que esteja com muita atenção para não perder a noção de espaço e tempo.

 

Devil All The Time é uma crítica ao ser humano e aos seus atos de maldade que comete perante outras pessoas mais vulneráveis que simplesmente são manipuladas facilmente, mas que deixa refletir em possíveis semelhanças com a realidade, por isso eu acho que esta história até traz uma discussão interessante e aconselho a verem. 

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